sábado, 2 de março de 2019

A VERDADE SOBRE HEBREUS 6:4-6

Esta passagem afirma a perda da salvação?

“É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia.”. (Hebreus 6:4-6)

De fato, o texto indica várias características inequívocas de que tal pessoa tenha sido tocada pela graça salvadora de Deus. Por outro lado, o autor aos hebreus cria um problema para os que defendem a possibilidade de perda da salvação: o texto diz que uma vez tendo caído, não há possibilidade de arrependimento, pois seria como sacrificar Cristo novamente! Isso se choca diretamente com os apelos para reconciliação de crentes desviados, que consequentemente, seriam pessoas uma vez salvas, que, entretanto caíram.

Logo, ao usar essa passagem para apoiar a perda da salvação, deveriam ensinar que a queda colocaria o crente em situação de perdição irremediável! Apresentado o texto, como fonte de polêmicas e não pequenas dificuldades para ambos os lados do debate, sinergista (arminiano), bem como do lado monergista (calvinista), vamos a análise do contexto da referida passagem em cinco pontos:

      1. Lendo o contexto, ao final do capítulo 5, sobre a obra de Cristo como sumo sacerdote da ordem eterna de Melquisedeque, o autor afirma que ainda precisa ensinar muitas coisas sobre esta questão (v.11).  Porém os crentes hebreus, tornaram-se lerdos no entendimento do que era transmitido. Nos versículo de 12 à 14, é dito que pelo tempo de caminhada na fé, já deveriam estar muito mais adiantados quanto à doutrina! Entretanto em situação similar a de crianças recém-nascidas, não se alimentavam de alimentos sólidos, mas sim de leite.

      2. O início do capítulo 6 convoca seus destinatários a deixar um pouco de lado fundamentos da fé para a salvação (v.1-3). Logo, os crentes hebreus estavam tão apegados a estas coisas básicas que não estavam avançando no entendimento do evangelho. Esse apego faz parecer que alguém está caindo continuamente, mesmo que de fato não esteja, e necessitando de renovação do sacrifício. Essa mentalidade judaizante está de acordo com a administração da aliança sob a dinâmica veterotestamentária, que tinha como característica a renovação dos sacrifícios com o objetivo de renovar o perdão divino!

Agora a partir da obra substitutiva de Cristo, que como o próprio autor aos hebreus afirma, ocorre uma vez por todas o autor afirma que o sacrifício de Cristo não é renovável! Portanto tal construção do discurso visa, não ensinar sobre a segurança da salvação, mas sobre o progresso na fé conforme o contexto anterior.

      3. Alguns podem questionar: “Mas se a salvação está fora de questão, porque o texto diz que uma pessoa salva caiu?” Sim, o texto diz, e meu argumento, difere da explicação calvinista clássica, que tenta reduzir a experiência espiritual exposta nos versos 4 e 5, entendendo que o texto fala de alguém que se tornou um mero simpatizante ouvinte raso do evangelho, portanto falso crente.

Neste estudo quero demonstrar que na passagem em analise, a afirmação da queda, é inserida como uma estratégia argumentativa utilizada em outras porções da escritura: como em 1ª Coríntios 13:1, onde Paulo afirma “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor[...]”. Ele falava a língua de anjos? Não! Paulo estava usando uma hipérbole, uma hipótese absurda para demonstrar que havia algo muito melhor do que tal capacidade - o amor!

Da mesma forma, Hebreus 6:4-6, é um parêntese absurdo, uma ilustração da inutilidade da atitude daqueles crentes que se apegavam aos rudimentos da fé como se todo dia tivessem que renovar seu novo nascimento, sendo que a afirmação mais forte é de que essa renovação é impossível. Portanto o verdadeiro crente é como uma boa terra que ao ser regada pela chuva perene do ensinamento de Cristo, e produz plantas uteis, mas se a outra terra produzir ervas daninhas, ela já está destinada à queimada (6:7,8).

      4. De acordo com Warren W. Wiersbe, no 6º volume de seu Comentário Bíblico Expositivo (p.383), o afastamento do discurso em relação aos fatos em Hebreus 6:4, demonstrada pela mudança na colocação dos pronomes da primeira pessoa do plural, para a terceira pessoa do plural, também indica, certamente que o tratamento da referida situação como algo estranho de se ver na prática, e portanto uma hipótese absurda.

      5. Nos versículos de 9 ao 11, em contraste com este paralelo entre os tipos de terra, ele nega que com os destinatários ocorra algo semelhante, e voltando à realidade, reconhece o trabalho frutífero desses irmãos na assistência aos santos. Aqui, sob o mesmo critério semântico apontado por Wiersbe, percebemos mudança semelhante de colocação pronominal, agora da terceira pessoa do plural para a segunda pessoa do plural, o que corrobora com uma conclusão de uma hipótese absurda da queda de um crente genuíno e consequente necessidade de renovação do arrependimento. Configura-se aqui, uma mudança de esfera de tratamento de uma hipótese para a realidade.

      Concluímos que, a partir de uma analise cuidadosa do contexto em que está inserida a passagem de Hebreus 6:4-6, o mesmo não se trata de um ensinamento soteriológico. Sendo na verdade esta, uma perícope na qual apresenta-se uma hipótese absurda, utilizada pelo autor aos hebreus como mero recurso argumentativo, com o objetivo de persuadi-los de que sua atitude era no mínimo infantil e similar aos sacrifícios judaicos que não possuíam eficácia eterna. O importante é entender a intenção do autor ao Hebreus, em persuadir seus destinatários da necessidade de progresso na fé, no conhecimento de Deus e no serviço. Se não levarmos em consideração que um dos objetivos desta epistola é fazer distinções entre a administração veterotestamentária e neotestamentária, colocando esta ultima como superior e perene, não conseguiremos interpretar corretamente esta passagem.

Sola gratia!

Alisson Lopes

Leia também nossa análise do significado do desenvolvimento da salvação em Filipenses 2:12, clique abaixo:
https://reformaemacao.blogspot.com/2018/11/santidade-na-pratica-operada-pela-graca.html?m=0


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