De fato, o texto indica várias características inequívocas de que tal
pessoa tenha sido tocada pela graça salvadora de Deus. Por outro lado, o autor
aos hebreus cria um problema para os que defendem a possibilidade de perda da
salvação: o texto diz que uma vez tendo caído, não há possibilidade de
arrependimento, pois seria como sacrificar Cristo novamente! Isso se choca
diretamente com os apelos para reconciliação de crentes desviados, que
consequentemente, seriam pessoas uma vez salvas, que, entretanto caíram.
Logo, ao usar essa passagem para apoiar a perda da salvação, deveriam
ensinar que a queda colocaria o crente em situação de perdição irremediável!
Apresentado o texto, como fonte de polêmicas e não pequenas dificuldades para
ambos os lados do debate, sinergista
(arminiano), bem como do lado monergista
(calvinista), vamos a análise do contexto da referida passagem em cinco pontos:
1. Lendo o contexto, ao final do capítulo 5, sobre a obra de Cristo
como sumo sacerdote da ordem eterna de Melquisedeque, o autor afirma que ainda
precisa ensinar muitas coisas sobre esta questão (v.11). Porém os crentes
hebreus, tornaram-se lerdos no entendimento do que era transmitido. Nos
versículo de 12 à 14, é dito que pelo tempo de caminhada na fé, já deveriam
estar muito mais adiantados quanto à doutrina! Entretanto em situação similar a
de crianças recém-nascidas, não se alimentavam de alimentos sólidos, mas sim de
leite.
2. O início do capítulo 6 convoca seus destinatários a deixar um
pouco de lado fundamentos da fé para a salvação (v.1-3). Logo, os crentes
hebreus estavam tão apegados a estas coisas básicas que não estavam avançando
no entendimento do evangelho. Esse apego faz parecer que alguém está caindo
continuamente, mesmo que de fato não esteja, e necessitando de renovação do
sacrifício. Essa mentalidade judaizante está de acordo com a administração da
aliança sob a dinâmica veterotestamentária,
que tinha como característica a renovação dos sacrifícios com o objetivo de
renovar o perdão divino!
Agora a partir da obra substitutiva de Cristo, que como o próprio autor
aos hebreus afirma, ocorre uma vez por todas o autor afirma que o sacrifício de
Cristo não é renovável! Portanto tal construção do discurso visa, não ensinar
sobre a segurança da salvação, mas sobre o progresso na fé conforme o contexto
anterior.
3.
Alguns podem questionar: “Mas se a salvação está fora de questão,
porque o texto diz que uma pessoa salva caiu?” Sim, o texto diz, e meu
argumento, difere da explicação calvinista clássica, que tenta reduzir a experiência
espiritual exposta nos versos 4 e 5, entendendo que o texto fala de alguém que
se tornou um mero simpatizante ouvinte raso do evangelho, portanto falso
crente.
Neste estudo quero demonstrar que na passagem em analise, a afirmação da
queda, é inserida como uma estratégia argumentativa utilizada em outras porções
da escritura: como em 1ª Coríntios 13:1, onde Paulo afirma “Ainda que
eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor[...]”. Ele
falava a língua de anjos? Não! Paulo estava usando uma hipérbole, uma hipótese
absurda para demonstrar que havia algo muito melhor do que tal capacidade - o
amor!
Da mesma forma, Hebreus 6:4-6, é um parêntese absurdo, uma ilustração da
inutilidade da atitude daqueles crentes que se apegavam aos rudimentos da fé
como se todo dia tivessem que renovar seu novo nascimento, sendo que a
afirmação mais forte é de que essa renovação é impossível. Portanto o
verdadeiro crente é como uma boa terra que ao ser regada pela chuva perene do
ensinamento de Cristo, e produz plantas uteis, mas se a outra terra produzir
ervas daninhas, ela já está destinada à
queimada (6:7,8).
4. De acordo com Warren W. Wiersbe, no 6º volume de seu Comentário
Bíblico Expositivo (p.383), o afastamento do discurso em relação aos fatos em
Hebreus 6:4, demonstrada pela mudança na colocação dos pronomes da primeira
pessoa do plural, para a terceira pessoa do plural, também indica, certamente
que o tratamento da referida situação como algo estranho de se ver na prática,
e portanto uma hipótese absurda.
5. Nos versículos de 9 ao 11, em contraste com este paralelo entre os
tipos de terra, ele nega que com os destinatários ocorra algo semelhante, e
voltando à realidade, reconhece o trabalho frutífero desses irmãos na
assistência aos santos. Aqui, sob o mesmo critério semântico apontado por Wiersbe,
percebemos mudança semelhante de colocação pronominal, agora da terceira pessoa
do plural para a segunda pessoa do plural, o que corrobora com uma conclusão de
uma hipótese absurda da queda de um crente genuíno e consequente necessidade de
renovação do arrependimento. Configura-se aqui, uma mudança de esfera de
tratamento de uma hipótese para a realidade.
Concluímos que, a partir de uma analise
cuidadosa do contexto em que está inserida a passagem de Hebreus 6:4-6, o mesmo
não se trata de um ensinamento soteriológico. Sendo na verdade esta, uma perícope
na qual apresenta-se uma hipótese absurda, utilizada pelo autor aos hebreus
como mero recurso argumentativo, com o objetivo de persuadi-los de que sua
atitude era no mínimo infantil e similar aos sacrifícios judaicos que não
possuíam eficácia eterna. O importante é entender a intenção do autor ao
Hebreus, em persuadir seus destinatários da necessidade de progresso na fé, no
conhecimento de Deus e no serviço. Se não levarmos em consideração que um dos
objetivos desta epistola é fazer distinções entre a administração veterotestamentária e neotestamentária, colocando esta ultima
como superior e perene, não conseguiremos interpretar corretamente esta passagem.
Sola gratia!
Leia também nossa análise do significado do desenvolvimento da salvação em Filipenses 2:12, clique abaixo:
https://reformaemacao.blogspot.com/2018/11/santidade-na-pratica-operada-pela-graca.html?m=0
Nenhum comentário:
Postar um comentário